segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Histórias escritas a partir de grandes obras de arte do Renascimento


A Pietà de Michelangelo



26 de março de 1498... 

No céu rompiam os primeiros raios de sol, atravessando a neblina espessa que de noite se havia instalado. A brisa fresca e estonteante da manhã batia-me na cara de forma implacável, como se lhe tivessem incutido a função de me acordar e ela fizesse questão de a cumprir. De facto, resultou, pois se havia em mim qualquer réstia de sono e cansaço, desaparecera por completo. Apanhei agora a direção da brisa gelada que me dava balanço, fazendo-me andar a passos largos até ao meu destino.  

Parei em frente à porta de carvalho maciço e fiquei a olhar para ela, tentando antecipar mentalmente o que poderia acontecer a seguir. Quem diria que o distinto Jean Bilhères se quisesse encontrar comigo nesta pequena capela. Não saber o porquê de ter convocado a minha presença deixava-me ansioso e a curiosidade fez com que abrisse a pesada porta e entrasse. 

Estava escuro, o ar era húmido e arrepiante. Através da ténue luz das velas que adornavam o espaço avistei um vulto. Ali estava o cardeal francês. 

Apressei-me a sentar a seu lado, não consigo encontrar palavras para descrever a inquietação que suportava dentro de mim. Bilhères contemplava a deslumbrante imagem de virgem Maria, que se encontrava ao lado do altar.  
Ao aperceber-se da minha presença, o cardeal, relatou, sem hesitar, o importuno acontecimento que vivenciou na sua capela. 
A sua prezada Nossa Senhora havia sido furtada...   
Subitamente, encontrei-me a questionar mais sobre o atentado, não conseguia conter as minhas palavras, mas foi deveras um momento oportuno. 
O seu olhar entristeceu, e, de repente, o silêncio propagou-se durante alguns segundos. 
Finalmente o cardeal decidiu prosseguir, e por fim, esclarecer a principal razão pela qual estava ali.  
Repentinamente o meu corpo paralisou, senti como se a temperatura estivesse abaixo de zero. Não podia crer no que escutava naquele momento.  

A arte sempre fora das minhas grandes paixões. Quando estou a desenvolver um novo projeto, é como se o mundo parasse lá fora, como se as pessoas se esquecessem de continuar os seus afazeres, como se o ar que as envolve congelasse e os seus pensamentos se dispersassem na neblina. Quando estou no processo criativo, só o meu mundo é importante. Sou só eu e a minha arte e essa é das melhores sensações que alguma vez já experienciara. Estava saudoso de a sentir outra vez, a criatividade que pulsava no meu coração, irrigando as minha veias e alimentando o meu cérebro, eu queria senti-la outra vez. 

Ao ouvir a proposta do cardeal, as palavras saíram-me de rompante e sem hesitações. Fiquei lisonjeado e não consegui esconder o orgulho que se fazia ouvir na minha voz quando aceitei. Com tantos artistas de renome nos mais variados cantos do mundo, Jean Bilhères confiou em mim, no meu talento, no meu amor à arte.   

Certamente que não o iria desiludir. Esculpir a Virgem Maria era uma imagem que me dava arrepios, mas que me fazia sorrir a alma. Levaria esta obra até ao fim com toda a estima e preciosidade, que farei questão de fazer refletir no coração do imponente e magistral bloco de mármore. 
Retirei-me da capela mais radiante que os belos raios de sol. Mas o meu prazer logo se desvaneceu, quando avistei uma sombra de uma mulher que ali rezava. 
As suas lágrimas deslizavam pelo rosto, os seus joelhos raspavam pelo chão, sussurrando algo, que, mesmo sendo imperceptível me fazia lamentar. Apenas depois de alguns instantes a encarar aquela obscura situação me apercebi, que no seu colo, a bela moça carregava uma pequena criança falecida...  
Cada sussurro, cada suspiro, cada lágrima fazia o meu coração apertar, mais e mais. 
Já conseguia alcançar a minha pequena moradia.  
Abanquei na minha confortável poltrona e tentei abstrair-me daquele momento que tinha presenciado. 
Procurei algo em que me pudesse inspirar, uma paisagem, um livro, uma imagem, mas nada me ocorreu.  
Encontrei-me, novamente a pensar naquela mulher. A minha mente não se conseguia distrair daquela visão. 
Subitamente recordei-me de uma fala que um sábio desconhecido me tinha confessado: 
A arte e a inspiração estão nos irrelevantes e minuciosos momentos e detalhes do dia a dia... 
Aquela mulher não se havia cruzado no meu caminho por acaso. Ela e a sua história são o diamante em bruto que espera por ser polido, o barro que espera por ser moldado, o mármore que espera por ser esculpido, até formar a mais inigualável obra-prima... 

E deste modo, Michelangelo iniciou a sua obra, levando como musa a dor sufocante de uma mulher que perde o seu primogénito. 

E assim nasceu Pietá, a preciosidade do Renascimento... 

 

Eva Mendes, João Torradinho e Marta Gancho 8º E


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