A Pietà de Michelangelo
26
de março de 1498...
No
céu rompiam os primeiros raios de sol, atravessando a neblina espessa que de
noite se havia instalado. A brisa fresca e estonteante da manhã batia-me na
cara de forma implacável, como se lhe tivessem incutido a função de me acordar
e ela fizesse questão de a cumprir. De facto, resultou, pois se havia em mim
qualquer réstia de sono e cansaço, desaparecera por completo. Apanhei agora a
direção da brisa gelada que me dava balanço, fazendo-me andar a passos largos
até ao meu destino.
Parei
em frente à porta de carvalho maciço e fiquei a olhar para ela, tentando
antecipar mentalmente o que poderia acontecer a seguir. Quem diria que o
distinto Jean Bilhères se quisesse encontrar comigo nesta pequena capela. Não
saber o porquê de ter convocado a minha presença deixava-me ansioso e a
curiosidade fez com que abrisse a pesada porta e entrasse.
Estava
escuro, o ar era húmido e arrepiante. Através da ténue luz das velas que
adornavam o espaço avistei um vulto. Ali estava o cardeal francês.
Apressei-me
a sentar a seu lado, não consigo encontrar palavras para descrever a
inquietação que suportava dentro de mim. Bilhères contemplava a deslumbrante
imagem de virgem Maria, que se encontrava ao lado do altar.
Ao aperceber-se da minha presença, o cardeal,
relatou, sem hesitar, o importuno acontecimento que vivenciou na sua capela.
A sua prezada Nossa Senhora havia sido
furtada...
Subitamente, encontrei-me a questionar mais sobre o
atentado, não conseguia conter as minhas palavras, mas foi deveras um momento
oportuno.
O seu olhar entristeceu, e, de repente, o silêncio
propagou-se durante alguns segundos.
Finalmente o cardeal decidiu prosseguir, e por fim,
esclarecer a principal razão pela qual estava ali.
Repentinamente o meu corpo paralisou, senti como se a
temperatura estivesse abaixo de zero. Não podia crer no que escutava naquele momento.
A
arte sempre fora das minhas grandes paixões. Quando estou a desenvolver um novo
projeto, é como se o mundo parasse lá fora, como se as pessoas se esquecessem
de continuar os seus afazeres, como se o ar que as envolve congelasse e os seus
pensamentos se dispersassem na neblina. Quando estou no processo criativo, só o
meu mundo é importante. Sou só eu e a minha arte e essa é das melhores
sensações que alguma vez já experienciara. Estava saudoso de a sentir outra
vez, a criatividade que pulsava no meu coração, irrigando as minha veias e
alimentando o meu cérebro, eu queria senti-la outra vez.
Ao
ouvir a proposta do cardeal, as palavras saíram-me de rompante e sem
hesitações. Fiquei lisonjeado e não consegui esconder o orgulho que se fazia
ouvir na minha voz quando aceitei. Com tantos artistas de renome nos mais
variados cantos do mundo, Jean Bilhères confiou em mim, no meu talento, no meu
amor à arte.
Certamente
que não o iria desiludir. Esculpir a Virgem Maria era uma imagem que me dava arrepios,
mas que me fazia sorrir a alma. Levaria esta obra até ao fim com toda a estima
e preciosidade, que farei questão de fazer refletir no coração do imponente e
magistral bloco de mármore.
Retirei-me da capela mais radiante que os belos raios de
sol. Mas o meu prazer logo se desvaneceu, quando avistei uma sombra de uma
mulher que ali rezava.
As suas lágrimas deslizavam pelo rosto, os seus
joelhos raspavam pelo chão, sussurrando algo, que, mesmo sendo imperceptível me
fazia lamentar. Apenas depois de alguns instantes a encarar aquela obscura
situação me apercebi, que no seu colo, a bela moça carregava uma pequena
criança falecida...
Cada sussurro, cada suspiro, cada lágrima fazia o meu
coração apertar, mais e mais.
Já conseguia alcançar a minha pequena moradia.
Abanquei na minha confortável poltrona e tentei
abstrair-me daquele momento que tinha presenciado.
Procurei algo em que me pudesse inspirar, uma
paisagem, um livro, uma imagem, mas nada me ocorreu.
Encontrei-me, novamente a pensar naquela mulher. A
minha mente não se conseguia distrair daquela visão.
Subitamente recordei-me de uma fala que um sábio
desconhecido me tinha confessado:
“ A arte e a inspiração estão nos irrelevantes e
minuciosos momentos e detalhes do dia a dia...”
Aquela mulher não se havia cruzado no meu caminho por
acaso. Ela e a sua história são o diamante em bruto que espera por ser polido,
o barro que espera por ser moldado, o mármore que espera por ser esculpido, até
formar a mais inigualável obra-prima...
E
deste modo, Michelangelo iniciou a sua obra, levando como musa a dor sufocante
de uma mulher que perde o seu primogénito.
E
assim nasceu Pietá, a preciosidade do
Renascimento...
Eva
Mendes, João Torradinho e Marta Gancho 8º E